Páscoa em Portugal: quando a tradição ainda é o que era

Páscoa em Portugal: quando a tradição ainda é o que era.

27.03.2024

Escrito por: Ideias que Contam

Saiba tudo sobre a segunda mais importante celebração religiosa cristã familiar a seguir ao Natal, que, este ano, acontece já no próximo dia 31.
 
A Páscoa celebra a ressurreição de Jesus Cristo ao terceiro dias após a sua crucificação, sendo por isso uma importante festa da Igreja Cristã. A data em que é festejada não é fixa porque, no Concílio de Niceia, em 325 d.C., a Igreja determinou que a sua comemoração deveria acontecer aquando da primeira lua cheia após o equinócio de primavera no hemisfério norte, ou de outono no hemisfério sul, o que geralmente ocorre entre 22 de março e 25 de abril.
 
A origem da palavra tem, pelo menos, duas interpretações. Uma indica que chegou ao português através do termo latino pascha, que por sua vez tem origem no hebraico pasach e que significa "passagem", podendo o festejo estar relacionado com a Páscoa judaica, que comemora o êxodo dos hebreus da escravidão no Egito. Por sua vez, o termo pascua, do latim, significa "pastagem" ou "alimento", o que pode ser associado ao fim do jejum durante a Quaresma.
Entre tradições, curiosidades e gastronomia, vejamos de seguida algumas das mais comuns no nosso país.
 

Procissões e cortejos: uma viagem do passado ao presente

Nesta Páscoa é comum, em várias localidades, haver procissões, cortejos e recriações das 14 estações (as cenas da Paixão de Cristo) da Via Sacra, ou seja, o trajeto que Jesus terá percorrido a carregar a cruz do Pretório ao Calvário. Alguns exemplos destas festividades: em Ourém, no dia 29, as ruas históricas desta vila medieval irão tornar-se palco dessa passagem, uma das melhores representações do género realizadas no país. A Via Sacra ao Vivo será dramatizada por cerca de 100 atores e figurantes locais e acompanhada por milhares de pessoas; em Braga, a Procissão da Senhora “da burrinha” é um cortejo bíblico organizado desde 1998 que este ano se realiza no dia 27; no Algarve, mais concretamente em São Brás de Alportel, o dia de Páscoa é celebrado com a Festa das Tochas Floridas, uma procissão que assinala a ressurreição de Cristo; e em Castelo de Vide, no Alentejo, no Sábado de Aleluia (dia 30), a Bênção dos Borregos é uma tradição antiga que continua a levar ao adro da igreja matriz alguns ovinos para receberem a bênção do pároco antes da imolação.
 

Costumes à mesa

Tal como no Natal, há iguarias que são típicas da quadra pascal. O cordeiro ou borrego é uma delas e continua a reinar. O costume de comer cordeiro assado remonta a épocas anteriores ao nascimento de Cristo, uma vez que, em muitas regiões do mundo, era um animal que fazia parte do gado disponível para consumo após o inverno. Por isso são vários os países, onde Portugal se inclui, que o consomem em maior quantidade nesta época do ano. A tradição ficou ligada à Páscoa também por representar o sacrifício na religião judaica. Não será por acaso que a morte de Jesus significa para muitos o sacrifício final daquele a quem o apóstolo João Batista terá chamado “o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”. Curiosamente, no Minho, preferem a cria da cabra, ou seja, o cabrito.
 
Doce (de origem alentejana e algarvia) ou salgado (de origem nortenha), confecionado à base de água, sal, ovos e farinha de trigo, o folar é tradicionalmente o pão da Páscoa em Portugal, cuja forma e conteúdo varia de região para região. Na sua essência, este bolo estará ligado à amizade e à reconciliação, talvez por ter constituído, em tempos idos, oferenda pagã, embora não lhe seja alheia uma lenda antiga com esse significado. O folar com ovos típico desta quadra tem a sua simbologia relacionada com o ovo, a da ressurreição.
 

Outras Curiosidades

Porque são o ovo e o coelho símbolos da Páscoa? Figuras incontornáveis nos dias da Páscoa, os ovos são símbolos universais de vida e de renovação, enquanto o coelho, sendo um animal que se reproduz rapidamente, representa a fertilidade e uma vida nova. Por ambos terem significados semelhantes, terão sido os eleitos para serem figuras proeminentes desta quadra.
A origem do ovo é mais antiga, e já era usado, muitos anos antes do nascimento de Cristo, para celebrar a chegada da primavera, também ela tempo de renascimento. Mais tarde começaram a pintar-se de cores garridas como se de verdadeiras obras de arte se tratassem. Provavelmente inspirados neste ritual, são famosos os luxuosos ovos de Fabergé, expoentes máximos da arte da joalharia. O primeiro foi encomendado em 1885 pelo czar russo Alexandre III, que o daria de presente a sua mulher, a czarina Maria Feodorovna, para comemorar a Páscoa daquele ano e o 20.º aniversário de casamento. Consta que terão sido fabricados pelo reconhecido joalheiro russo pouco mais de 50 ovos, o que torna estas peças, além de raras, valiosíssimas e únicas pois cada uma escondia no seu interior uma surpresa “inesquecível”
 
Os ovos de chocolate tal como os conhecemos hoje terão surgido também no final século XIX, a que se juntou mais tarde o coelhinho, vindo da tradição alemã. Muito apreciados, sobretudo entre as crianças, estão, a par das amêndoas, na lista de presentes de padrinhos aos seus afilhados nesta quadra festiva.
Mais recentemente, Portugal juntou-se ao grupo de países que desenvolvem atividades de Caça ao Ovo de Páscoa quer em casa, quer fora dela. Este ano, a Quinta da Aveleda, em Penafiel, está mais uma vez a promover uma divertida “caçada” ao ovo por entre vinhas e jardins.
 
Porque é que o Domingo de Ramos tem este nome? No fim de semana antes da Páscoa, assinala-se o Domingo de Ramos, também conhecido como Domingo da Paixão, e marca o início da Semana Santa. Tem este nome porque quando Jesus entrou em Jerusalém poucos dias antes da sua morte, terá sido acolhido por uma multidão que o recebeu e aclamou com ramos de palmas.
 
Qual a história das amêndoas confeitadas? Semelhantes ao ovo na sua forma, embora numa dimensão mais pequena, e por isso com o mesmo significado, a entrada das amêndoas coloridas e cobertas de açúcar como símbolo da Páscoa é uma tradição que remonta à época em que a cana-de-açúcar foi sendo introduzida na Europa. Antes, na Antiguidade grega, e depois na romana, este fruto seco revestido com mel era muito apreciado. No século XVIII, as amêndoas doces começaram por ser produzidas de forma artesanal em França até chegar às polidas e coloridas de hoje que só o evoluir da técnica e da maquinaria tornou possível, sobretudo a partir de meados do século XIX. Ainda hoje são muito procuradas as de “tipo francês”, que concorrem lado a lado com as cobertas de todo o tipo de chocolate, as torradas e as de várias outras coberturas que foram surgindo, como o caramelo salgado.
 
Porque não se come carne vermelha na Sexta-feira Santa? Não se sabe ao certo desde quando este costume passou a fazer parte dos rituais da Páscoa. No entanto, no século IX, o Papa Nicolau I instituiu como lei aquilo que era somente um hábito.  Este seria o dia, que ainda continua em vigor para muitos praticantes, reservado à abstinência em reconhecimento do sacrifício de Jesus Cristo.
 
A Páscoa transcende a mera celebração religiosa, sendo um momento de reunião familiar, de mesa farta, de renovação e de partilha. Uma festa que tem atravessado séculos, enriquecendo o património cultural e espiritual de muitas gerações.
 

Feliz Páscoa!