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Conflito na Europa: ficará a transição energética comprometida?

23.05.2022

Escrito por: Ideias que Contam

Com a guerra na Ucrânia, tornou-se ainda mais evidente a excessiva dependência europeia do petróleo e do gás natural, consciencialização que é, no fundo, um incentivo às soluções de produção renovável e de maior proximidade. Por outro lado, a procura por carvão, para a produção de eletricidade, disparou no imediato. Ficará o compromisso da Europa em atingir a neutralidade carbónica até 2050 em sério risco?

 

Depois de dois anos de covid-19, com a crise sanitária a prejudicar inúmeros negócios em todo o mundo, a Europa preparava-se para o arranque do seu Plano de Recuperação Económica, quando a invasão da Ucrânia pela Rússia, no passado mês de fevereiro, veio, novamente, baralhar as cartas. 

A pressão sobre os custos energéticos já se fazia sentir desde o início da pandemia. Agravados pelo elevado preço das matérias-primas, o aumento dos transportes e os atrasos nos fornecimentos das cadeias de valor mais longas, dispararam/subiram em flecha logo a seguir ao anúncio do conflito na Europa de Leste. 

Os preços do gás natural e do petróleo já estavam em rota ascendente desde o ano passado, devido à escassez de oferta, apesar desta tendência já se verificar desde 2015, ao sabor da cotação internacional do barril de petróleo (o Brent é o mais negociado na Europa), embora a um ritmo muito menor. O preço da eletricidade refletia, igualmente, os elevados custos internacionais e previam-se aumentos significativos para este ano, com a inflação a subir à conta, sobretudo, do efeito dos custos energéticos. Esta inflação galopante, que em janeiro último ultrapassara a fasquia dos 5%, já dera sinais de preocupação às entidades europeias. As previsões em alta, para 2022 e 2023, levaram Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu (BCE), a admitir que a inflação poderá manter-se elevada por mais tempo e não excluía, assim, uma subida das taxas de juro, o que já está, efetivamente, a acontecer. 

 

“A tragédia da guerra na Ucrânia expôs algumas das fragilidades em que o projeto europeu se tem atolado. É o caso da dependência energética”, escreve Luísa Schmidt, investigadora principal no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, no semanário “Expresso”. Esta especialista, que se dedica à investigação em Sociologia da Comunicação e Sociologia do Ambiente, defende que, embora se compreenda que “no momento em que vivemos e no estado de reféns energéticos em que nos encontramos, as soluções de emergência se foquem no fornecimento e não no planeamento. Com a casa a arder, a prioridade não é poupar água... Todavia, nesta crise energética, além das soluções de emergência, há que planear e implementar políticas que nos garantam não só segurança como, sobretudo, um futuro”.

 

Certo é que a Comissão Europeia está atenta ao problema e a pedir aos Estados-Membros que acelerem a passagem para uma energia verde. “A União Europeia deve livrar-se da sua dependência de combustíveis fósseis”, assume Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia. Segundo o “Financial Times”, Christian Lindner, ministro das Finanças da Alemanha, um dos países da Europa mais dependentes do gás natural russo, a par com a Itália, afirma que a energia limpa deveria ser considerada a energia da “liberdade”, e que a Alemanha tem planos para acelerar os investimentos nas energias renováveis e atingir a produção 100% de origem verde até 2035. Porém, o mesmo responsável admite que, no curto prazo, não tem outra hipótese senão continuar a comprar gás e petróleo à Rússia. Thijs Van de Graaf, professor associado de Política Internacional da Universidade de Gante, na Bélgica, disse também a este jornal que a Europa já desperdiçou a crise pandémica para acelerar a transição para energias mais limpas e que não deveria perder também esta. 

 

Será que a Europa vai agora desperdiçar mais uma oportunidade para acelerar o processo da descarbonização? A resposta a esta questão não é fácil de encontrar. Por um lado, há uma urgência para reduzir a dependência energética – os elevados custos dos combustíveis fósseis tornam mais rentáveis os investimentos em energias renováveis, como a eólica e a solar, o que pode ser um importante estímulo – mas, por outro, o consumo mundial do carvão aumentou no imediato, o que representa um retrocesso. 

Em novembro passado, aquando da COP26 em Glasgow (Escócia), o presidente da cimeira, Alok Sharma, afirmou que havia sinais claros de que os países participantes estavam a largar o carvão, mas, com a guerra na Europa, o sentido inverteu-se consideravelmente. Já antes deste trágico acontecimento se sentia o seu aumento, mas agora a necessidade da sua utilização é urgente. A Alemanha e a Itália, os países com maior dependência de gás natural da Rússia e da Ucrânia, estão a considerar aumentar a produção elétrica com mais centrais a carvão a curto prazo, mesmo que mantenham os seus planos de investimento de longo prazo nas renováveis. 

Especialistas do setor dizem até que a Alemanha vai colocar em risco a sua intenção de abandonar definitivamente a produção termoelétrica a carvão já em 2030. É a necessidade de soluções imediatas a falar mais alto, com graves consequências ao nível das emissões de gases com efeito de estufa. 

 

Em Portugal, a situação não é tão dramática, mas podia ser melhor. Segundo dados do Eurostat, em 2020, foi o 11.º país da União Europeia com maior dependência energética, isto porque importa a totalidade do petróleo e gás natural que consome. Além disso, em 2020, ainda necessitou de importar carvão, já que as centrais do Pego e de Sines só foram encerradas o ano passado. Daqui resulta mais uma boa notícia para as metas ambientais: o país deixou já de produzir eletricidade a carvão, tendo parte da sua produção elétrica origem em fontes renováveis, nomeadamente em hídricas (cerca de 13%). Isto é positivo em termos ambientais, mas pode gerar um problema complexo em anos de seca, como aquele que atravessamos. Segundo a APREN – Associação de Energias Renováveis, entre janeiro e fevereiro de 2022, foram gerados sete mil gigawatts de eletricidade em Portugal Continental, 56,1% dos quais de origem renovável, nomeadamente 30% em eólicas. A produção com gás natural atingiu neste período os 32%. Se os investimentos traçados em renováveis vão ou não ser prejudicados, isso é uma incógnita. Para já, sabe-se que os custos das matérias-primas agravam os investimentos em curso, mas isto não será, com certeza, um fator impeditivo. 

O Governo português acabou de anunciar um pacote de medidas, assentes em quatro eixos, para combater a crise gerada pela inflação energética, com o quarto eixo dirigido concretamente à transição energética. De acordo com Mariana Vieira da Silva, ministra da Presidência, “fazer o caminho estrutural da transição energética é também uma forma de responder a esta crise”. Deste pacote fazem parte a redução da taxa mínima do IVA para equipamentos elétricos, a agilização do licenciamento de painéis solares e um reforço de 46 milhões de euros para a instalação de painéis fotovoltaicos, em 2022 e 2023. 

 

Que o conflito na Europa vai atrasar os planos imediatos de descarbonização, podendo mesmo pôr em causa as metas traçadas, parece quase certo. Se, por outro lado, vai acelerar os investimentos ou não, é uma incerteza, embora seja uma necessidade urgente que terão de enfrentar. “É por isso que não podemos esquecer que esta crise trazida pela guerra implica estimular as políticas de transição energética que já se desenhavam antes, tornando mais clara a necessidade de o fazer depressa e, sobretudo, de forma ordenada e integrada. Esta é a oportunidade que o novo Governo, apoiado no PRR, não pode perder – uma oportunidade que ativa a economia, a tecnologia e o emprego, ao mesmo tempo que melhora a saúde e o bem-estar da população. É sempre a ganhar”, defende Luísa Schmidt.